Foi por um triz que não fui atriz
O teatro foi o primeiro doce, o primeiro bom bocado
O primeiro gozo que eu tive
O primeiro gosto na boca, na alma
Foi o blend do camarim
A primeira farejada
O chiado da plateia fervendo
O cochicho de bicho de coxia
Amatriz eu inventei de ser
No teatro eu me derretia
Feito batom no calor do holofote
Era ouvir o gemido das almas do teatro
E eu me desmanchava na poltrona
Os pés empoleirados nas cadeiras
Eu, arrepiada de susto e de frio
Procurava qualquer fio de luz no breu
Encolhida de alegria e espanto
A trilha não conhecia
Mas cantava de cor por dias
As vozes do teatro me seguiam até em casa
Era puro assombramento aquilo
Feito gente do passado
Feito coisa viva na memória do que eu era
O teatro até hoje me ronda de dentro pra fora
Feito um fantasma de mim mesma
(09.10.2020)